Era
impossível não se lembrar de Rick Blaine naquele momento. Curioso que
por mais anos que se passassem desde a última vez que vira aquele filme
ainda se lembrasse tão bem do nome das personagens. Contudo, não era a
famosa cena do piano que lhe vinha tantas vezes à memória, nem a
inesquecivel melodia, mas sim a cena do aeroporto onde um fleumático e
imperturbável Bogart desejava felicidades a Victor e a Ilsa. Há poucas
dores maiores do que essa manifestação latente de altruísmo. Sabia-o
perfeitamente, de já ter passado por elas mais do que uma vez, umas
vezes com mais sinceridade e dificuldade do que outras. Podem dizer que é
um acto nobre o de abdicar da própria felicidade, de uma das poucas
razões que nos levam a acordar dia após dia com vontade de seguir em
frente, em detrimento da felicidade da pessoa amada. Que se foda a
nobreza! Ela chamara-o de complicado, depois de dizer uma vez mais que o
amava. Ele sabia que era algo mais, para além de todas as desculpas
pouco convincentes que treinara antes de se encontrar com ela. A falta
de coragem não era um acto nobre nem altruísta. Parecia fácil para
Bogart, hipotecar assim a última réstea de esperança e mesmo assim
manter aquela pose que só Bogart tinha e que lhe fazia a ele sentir uma
devastadora e redutora sensação de fragilidade. Os homens não choram.
Bogart não chorava. Mas ele sim. Fê-lo, por dentro, quando ela lhe
perguntou se ele não ía lutar pelo que ambos sentiam. E Rick? Os dois
tinham atirado a toalha ao chão, com a diferença que o outro continuava
ali, imperturbável, com aquele ar de "não estou nem aí" que agora o
irritava solenemente, uma pedra de gelo incapaz de sentir quaisquer
remorsos. Foi nessa altura que compreendeu, tantas vezes tinha visto
aquele filme e nunca dera por isso: Rick não amava Ilsa, não daquela
maneira que ele concebia que o amor devia ser para ser amor, total.
"Play it again, Sam!", que bom seria se a vida fosse uma canção que
pudessemos simplesmente voltar a tocar.
Sem comentários:
Enviar um comentário