Soldier's
Girl, do realizador Frank Pierson, não é um grande filme a nível
comercial, nem podia sê-lo. Com poucos meios, actores ainda pouco
conhecidos entre nós e uma história polémica, dificilmente poderia ser
um sucesso de bilheteira.
Calvin Glover - manipulado por Fisher, ataca Winchell quando ele dormia |
Contra-senso ou não,
Soldier's Girl é a prova de que não só de blockbusters e orçamentos
milionários se podem fazer filmes que nos contam boas histórias,
daquelas que nos deixam a pensar mesmo depois do filme terminar.
Winchell e Fisher no filme |
Não
é um filme fácil, longe disso, como não era preciso descobrir estar
perante uma história verídica para lhe dar credibilidade, tão actual é a
sua realidade, mesmo mais de dez anos decorridos sobre os factos do
filme. Soldier's Girl conta a história do soldado Barry Wichell
(interpretado por Troy Garity), que se apaixona por Calpernia Addams (um
fantástico Lee Pace, que poderemos ver brevemente em Marmaduke).
Lee Pace interpreta Calpernia Addams |
Só
que esta soldier's girl não é uma mulher qualquer, mas uma transexual
que actua numa boite onde o colega de quarto de Wichell, Justin Fisher
(Shawn Hatosy) o leva, numa saída nocturna do quartel. A relação entre o
par romântico avança, enquanto nos apercebemos das dificuldades
impostas pela mentalidade dos colegas, por insinuações maldosas, pelo
quanto uma relação dessas pode abalar os alicerces e as normas do
exército dos Estados Unidos, mesmo nos dilemas morais de Wichell que
decide avançar, mesmo sabendo que Calpernia não tinha nascido num corpo
de mulher e, quando não se importa que ela deixe de fazer a derradeira
operação de mudança de sexo
Barry Winchell |
. É uma história de
amor, não de sexo, uma história destinada a terminar da pior forma,
marginalizados por todos e que culmina com um ataque cobarde e enquanto
dormia, de um jovem soldado de 17 anos, manipulado por Justin, que dá a
ideia de sofrer de um recalcado e unilateral relacionamento homossexual.
Winchell sofreu, na madrugada de 5 de Julho de 1999 fortes traumatismos
cranianos que lhe deixaram em estado de coma, no qual se manteve até os
seus pais mandarem desligar a máquina que o prendia à vida num estado
vegetativo.
Calpernia Addams |
Winchell
morreu porque cometeu o pecado de amar alguém diferente, como se os
sentimentos tivessem de obedecer a regras. Repito que o filme não é nada
demais, mas saíndo da ficção para o campo da realidade, apercebo-me que
todos estes acontecimentos tiveram lugar em 1999, provocando uma
espécie de paranóia sexual, uma espécie de ataque às bruxas, em Fort
Campbell e mesmo na América de então, cujo Presidente era Bill Clinton,
mas, pergunto-me: e se fosse agora? Se o mesmo sucedesse em 2010, seria
diferente?
Winchell
teria sido tratado de forma diferente pelos colegas? Pelos seus
superiores? Calpernia poderia ter outras opções profissionais que não as
de cantar numa boite como a Vision? Numa época em que constantemente
batemos com as mãos no peito, orgulhosos pelo progresso, pela liberdade
de expressão, por sermos modernos e liberais, sem preconceitos, qual
seria a sua reacção se um filho, um irmão chegasse junto de si e
apresentasse uma transexual como namorada? Teremos progredido tanto?
Teremos aprendido algo ou seria apenas mais uma história de amor triste?
Com mais de dez anos, o filme permanece assustadoramente actual, com
toda uma comunidade transexual a ser segregada, a ter de viver e amar
quase clandestinamente, escondida dos preconceitos de uma maioria
raramente silenciosa nos seus comentários mordazes para com tudo/todos
que são diferentes. Para quando um amor, uma vida em que não tenhamos de
ser separados (distinguidos) por cores, credos, sexos, em que conte
apenas quem somos e o que sentimos?
pode ser errado amar? |
um a |
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